Tentei de tudo (dentro dos preceitos republicanos) para convencer o motoboy: eu queria provar o sorvete de jabuticaba da Sorveteria do Centro e não podia ir lá no dia. Ficamos numa troca de mensagens anedóticas, que publicaria aqui, se não fosse ridícula. “Eles não vendem para delivery”, argumentou ele. “Fala que é para você, que vai comer agora”, implorei. “Não vai colar, estou com uniforme da empresa e o baú de entrega.” Desesperei: “Pede para colocar num copinho mesmo, sem o cone”. “Não vendem”, ele foi taxativo.
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Saiba como harmonizar sobremesas a vinhos pouco comuns no Brasil
Colunista foge do usual e combina doces com uvas húngaras
Achei que não podia insistir mais, seria constrangedor, afinal, ele estava agindo como devia e eu não. Pedi dois hot porks, vi que eles —a Saiko e o motoboy— tinham razão. Ia chegar, naqueles dias quentes, um suco de fruta aqui, disforme e fora do padrão.
Então, demorei, sempre com o sorvete na cabeça, e fui ao centro no dia mais gelado do ano até agora. Gosto do centro de São Paulo cinza e frio. Foi como a cidade me recebeu pela primeira vez, três décadas atrás. E foi gostoso, provei o sorvete de brigadeiro (frio e sorvete combinam, sim, qual o problema?).
Aproveitei para dar uma passeada pelos locais favoritos, aquela entrada básica na Livraria Francesa, uma flanagem por ruas em que ainda se notam detalhes bonitos de arquitetura. Há um encanto no centro (na minha infância se dizia “ir à cidade”, quando era para o centro). Acabei chegando na parte mais histórica, ali pelos lados do Mosteiro de São Bento, ia comer pastéis de Belém na Casa Mathilde, mas entrei numa loja de doces portugueses que não conhecia, Maria Cristina Doces, bem na Álvares Penteado.
Esbugalhei os olhos. Pudim de claras, ovos moles, pastéis de nata, de feijão, toucinho do céu, toda aquela vastidão açucarada e gemada que faz meu DNA tremer de alegria. Não dava para mais nada depois dos sorvetes. Trouxe para casa e fui consumindo parcimoniosamente (em dois dias, comi tudo) um vidro de ovos moles, uma torta de mel e montes de docinhos.
O mais óbvio seria tomar porto ou madeira, ou moscatel de Sétubal com eles, mas estava experimentando uma linha de tokajis húngaros de bom preço e com eles foram. Falo dos vinhos abaixo.
Com esta descoberta, já aumentaram para uns seis lugares só de doces na região. Boa ideia é comer por ali e depois comprar a sobremesa noutra casa do bairro.
Luiz Horta
Fonte: Folha de São Paulo